Nem toda fake news configura crime; advogado especialista explica o porquê

  • Por Jovem Pan
  • 19/03/2018 14h15
Johnny Drum/Jovem Pan Advogado é presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM)

Poucos dias após o assassinato, a família de Marielle Franco foi obrigada a lidar com mais uma onda sofrimento por conta do compartilhamento desenfreado de uma série de fake news sobre a vida pessoal e o trabalho da vereadora. Viralizaram na internet, por exemplo, as “notícias” de que ela havia sido casada com um líder do tráfico e de que sua campanha teria sido financiada por uma facção criminosa – informações rapidamente desmentidas pela imprensa. Ambos os casos podem ser enquadrados como crime virtual. Mas é preciso ficar atento: não é assim que acontece com todas as fake news.

“Existem projetos de leis apresentados no Senado e na Câmara para criminalizar em geral as fake news. Assim que começou essa discussão me posicionei contra. Tudo que acontece no Brasil querem criminalizar. Isso não resolve o problema. Durante o trabalho de combate, a criminalização pode estar embutida, mas não é a solução. Podem existir fake news que não configuram crime de injúria ou difamação. Podem criar uma fake news de alguém sem caráter difamatório. Aí não é crime. Nesses casos tem que haver apenas um controle para que as notícias percam força e morram”, explicou Luiz Augusto Filizzola D’Urso, presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), em entrevista ao Pânico na Rádio nesta segunda-feira (19).

Segundo o advogado, um combate efetivo precisa ser feito em duas etapas. A primeira consiste na educação. A população precisa ser informada sobre os perigos da disseminação de informações falsas. Mais do que isso, precisa adquirir conhecimentos e ferramentas para conseguir distinguir sozinha o que é verdadeiro e o que não é. Em seguida, entra a responsabilidade das mídias sociais. E isso não é tão simples assim.

“O problema é identificar o mandante. A investigação do cibercrime depende de quebra de sigilo de IP, localização de servidor que pode ser até de fora do país, não é fácil. Ainda mais com milhares de postagens. Hoje existem até mesmo empresas criadas para a venda de fake news nas eleições (…). Um robô pode fazer mais de mil postagens em um segundo”, contou.

Em relação à internet e às redes sociais, D’Urso afirmou que o Google e o Facebook possuem ferramentas que, embora ainda falhas, já os possibilitam realizar certo controle. O maior problema está no WhatsApp. Para garantir a privacidade dos usuários, todas as mensagens trocadas no aplicativo são protegidas com criptografias, o que quer dizer que ninguém (nem mesmo a empresa) tem acesso ao que é dito por ali.

“Cabe então ao próprio indivíduo procurar informações no jornalismo profissional antes de compartilhar. Nesse caso, depende de cada um de nós. Sobre isso, me perguntaram esses dias se o jornalismo vai ter um peso maior nesse contexto. Mas é relativo. Para a geração mais velha, sim. Nós continuamos acompanhando jornais para confirmar as informações. Já a juventude acessa informação nas redes”, afirmou.

E quando ele diz que depende de cada um de nós, ele se refere a cada um de nós mesmo, independente de estudo, graduação e ideologia política. Como exemplo, citou o caso da desembargadora do Rio de Janeiro que acreditou nas mentiras sobre Marielle e as compartilhou na web. Para ajudar no trabalho de identificação das notícias falsas, por fim, deu uma dica valiosa. “Elas costumam vir com um viés de confirmação. Você acredita em algo, tem uma crença forte, e quando lê a matéria confirma e fala ‘eu sabia’. Esse é um sinal”, concluiu.

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